Saturday, July 02, 2005

Ego na Arquitetura?

Escrevi esse texto para o grupo de discussao sobre arquitetura que eu participo e achei interessante colocar aqui. O tema foi sobre a questao do ego na arquitetura.

Octavio e demais,

Tenho a impressao que ego e’ uma dessas palavras que pode ser usada com dupla interpretacao: uma negativa e uma positiva. Dizer que alguem tem um grande ego pode significar que a pessoa ultrapassou niveis saudaveis na interpretacao da palavra. Nesse caso, a super valorizacao do ego pode acarretar pontos negativos na personalidade:

-a pessoa se ve como superior as outras, o que acarreta tratar os outros com desprezo ou criar preconceitos de raca, condicao social, cor, religiao…;
-a pessoa confunde lideranca com abuso de autoridade, o que dificulta o trabalho em equipe e acentua a competicao;
-a pessoa nao consegue aceitar opinioes alheias pois esta muito ligada em seu proprio mundo e em ouvir seu proprio umbigo;
-a pessoa tenta impor sua forma de pensar sempre como “a” correta;
-a pessoa se torna menos altruista e mais egoista em relacao a tentar entender os sentimentos alheios ou ouvir opinioes alheias;
-o exagero da auto-promocao torna as pessoas esnobes e distantes em relacao as outras ao seu redor, etc.

Por outro lado, a valorizacao positiva do ego e’ essencial para a construcao do amor proprio. Tem uma expressao em ingles que “to feel good i
n your own skin”, isto e, sentir-se bem em sua propria pele. Sentir-se confortavel com nossa pessoa e’ essencial para acreditarmos que somos capazes de conquistar, investirmos em nos mesmos, podermos nos auto-motivar e cultivarmos o amor-proprio. E’ sabermos diferenciar quando recebemos criticas que nos levam a reflexao daquelas que almejam apenas nos atingir pessoalmente.

Enfim, esse papo esta muito de psicologo e eu nao sou psicologa. Voltemos a abordagem do tema ego na profissao arquitetura que e’ o que nos interessa. O ego do arquiteto pode ser interpretado como um conjunto de fatores culturais que formam o ser, e da mesma forma, a arquitetura refletira tais aspectos culturais. Contudo, acredito que mesmo dentro dessa reproducao de tradicoes construtivas, existem pontos em comum que interligam a producao arquitetonica em culturas diferentes. Arquitetos mundialmente famosos que demonstram entender aspectos da essencia arquitetonica conseguem projetar em diferentes partes do mundo e sao capazes de romper barreiras culturais. Mas o que significa essencia arquitetonica? Como criarmos um arquitetura em que ego do arquiteto esteja refletido (culturalmente) em suas obras e ao mesmo tempo demonstrar esse entendimento de uma essencia universial da producao arquitetonica? Venho perseguindo questoes como essa desde que cheguei aqui nos EUA…

A expressao final de uma obra e’ resultado de um processo de questionamentos e nao de ideias pre-concebidas do que a arquitetura deveria ser ou parecer. Tais momentos para questoes devem ocorrer antes do arquiteto projetar seu ego em determinada construcao. Dai o motivo que mencionei a necessidade do pano de fundo filosofico por tras de nossas decisoes… Por exemplo, o que e’ uma biblioteca? Como arquitetura pode interpretar a busca por conhecimento? Em que ordem os assuntos serao revelados quando uma pessoa navegar atraves dos espacos? Existe uma heirarquia na organizacao do conhecimento? Como criar a sensacao de introspeccao e silencio em espacos publicos? Qual e’ a relacao entre a luz e o livro? Como sabemos, se a iluminacao e’ direta, o livro sofrera danos; se forem separados dificulta a leitura. Como o uso de computadores tem transformado a ideia de uma biblioteca? Porque nao fazer o livro vir ate mim ao inves de eu ir atras do livro como uma biblioteca na Franca? Enfim, por isso que falei anteriormente que “sem levantarmos as questoes apropriadas nao saberemos a que estamos respondendo a nao ser a nosso ego...” Uma vez que o arquiteto tenha em mente quais as questoes que ele vai se dedicar a responder atraves de sua arquitetura, mesmo ainda focado em suas reflexoes pessoais, ele sabera olhar projetos de outros arquitetos em todo o mundo e compreender o que procura atraves de tais imagens. Nessa busca por conceitos e significados o arquiteto mergulha direto em seu ego atras de respostas pessoais a questoes universais. Um interpretacao positiva da palavra ego.

Confesso que no meu comeco nao era bem assim e conto uma estoria pessoal para ilustrar. Lembro que nos primeiros anos de faculdade eu olhava a obra de arquitetos famosos e ficava imaginando que “cara” teria a arquitetura Luciana Braga… Assim, como se arquitetura tivesse uma marca ou fosse mero espelho do gosto imposto do arquiteto. Eu nao via a hora de definir meu estilo proprio, me descobrir atraves da arquitetura. Hoje nao so percebo a inocencia de minhas palavras, como percebo que e’ reflexo de aspectos do sistema educacional que me encontrava, onde nao existiam debates entre os alunos em sala de aula e os projetos tinham apenas que “agradar” o professor. Essa falta de interacao com os outros faz com que o aluno se restrinja no seu mundo e nao desenvolva uma capacidade de interpretacao critica da arquitetura, o que aumenta a tendencia do futuro arquiteto se sentir inconfortavel com criticas ou recebe-las como se fossem pessoais (um ataque ao ego)...

Hoje tambem percebo que por mais que eu cresca intelectual e profissionalmente, o caminho a percorrer se torna cada vez maior… (como dizia Socrates, “tudo que sei e’ que nada sei”). Comeco meu processo criativo indo a origem do problema (a busca de conceitos para dar respostas aos meus questionamentos), ali onde tudo ainda e’ indefinido e nao tem “cara” ainda. Acredito que o arquiteto que se acomoda em apenas uma forma de pensar ou projetar (porque seu ego foi inflado atraves de outras pessoas), corre um grande risco de parar de evoluir. Ao mesmo tempo, tal comportamento ajuda a criar essa ideia de arquitetura com “marca” que as colunas sociais gostam de promover…

Mesmo quando a producao arquitetonica passa a ser um reflexo de quem a pessoa-arquiteto e’, ela ainda nao escapa de ter que atender tantas questoes relativas ao dominio publico e privado. A super-valorizacao do ego pode fazer com que o arquiteto coloque interesses pessoais acima daqueles do cliente, do usuario, do publico e do meio-ambiente. O arquiteto precisa das qualidades de um lider para saber ouvir todas as partes e acomodar tantas necessidade diferentes da melhor forma, mesmo que a decisao final de tudo esteja em suas maos.

E’ dentro do espirito democratico que todos os egos serao ouvidos.

Luciana Braga Triplett.

12 Comments:

At July 04, 2005 3:31 PM, Blogger GUGA ALAYON said...

muito legal seu espaço. Sou arquiteto tb e voltarei com mais tempo. abraço

 
At July 04, 2005 5:26 PM, Blogger Unknown said...

Lu, retribuindo a sua visita ao nyontime, gostei da sua discussão sobre arquitetura e gostaria de saber o que você achou no novo projeto da Freedom Tower para o site do World Trade Center. É uma discussão interessante. Botei um post sobre isso quando o projeto foi apresentado e vou voltar ao assunto. abração, Jorge
Já linkei seu blog.

 
At July 04, 2005 5:36 PM, Anonymous Anonymous said...

Oi Luciana,
Achei bem interessante essa discussão sobre o ego na arquitetura. Me identifiquei quando você disse que ainda durante o curso ficava pensando que "cara" teria a arquitetura Luciana Braga. Também gosto de observar algumas obras de um mesmo arquiteto e imaginar a personalidade dele através de seus trabalhos. Lamento também durante a graduação não termos espaço ou pessoas capacitadas para discutir arquitetura, acabamos fazendo projetos só pra "agradar" os professores.
Abraços.

 
At July 06, 2005 7:57 PM, Anonymous Anonymous said...

Oi, Querida Lu!!!
Há tempos você me pede uma passada por aqui, né?...E eu, como sempre atrasada...Como diria Caetano, tempo, tempo, tempo, tempo...Menina, mas vejo que isso está ficando bem sério...Deixou de ser brincadeira e virou conversa de gente grande...Adorei tudo que vi por aqui e não me atreveria a discordar de not a single word...Muito menos em relação à Arquitetura...Falando nela, ontem li algo que lembrou muito a sua tese, aquela a quem chamamos carinhosamente de Benedita...Beijão e sorte com a Benê, essa temperamental!
Renata.

"Não é o ângulo reto que me atrai
nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a curva livre e sensual,
a curva que encontro nas montanhas
do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios,
nas ondas do mar,
no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo,(...)"
NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo - memórias. Rio de Janeiro, Editora Revan, 1999.

 
At July 11, 2005 9:55 AM, Blogger Lu Braga Triplett said...

Tenho tentado agradecer os comentarios no meu blog enviando e-mails diretamente as pessoas ou visitando o blog das que passaram por aqui. Ops, minto. Ainda nao passei para escrever um comentario sobre a Fredom Tower no otimo blog do Jorge Pontual, mas pretendo faze-lo em breve.
Em relacao a questao que me foi levantada acima, acredito que a pessoa X possa ter a sensibilidade para desenvolver projetos e deva apenas investir naquilo que parece estar faltando, seja conhecimento tecnico, construtivo, estrutural... Pessoa X deve colocar suas acoes onde seu instinto indica, ate calar as razoes que o detiveram agir nesse sentindo... Na realidade, arte e ciencia sao complementares em arquitetura e quanto maior essa integracao mais rica esta se torna.

 
At July 11, 2005 3:21 PM, Anonymous Anonymous said...

Lú,

Um comentário: desde estudante, seja por um traço característico ou por uma maneira particular de resolver as coisas, meus trabalhos eram de autoria fácil de reconhecer. Vai daí que não passei pela fase do “que cara terá minha arquitetura?” Pelo contrário, cedo passei a intentar resultados menos “pessoais”, por assim dizer, numa busca que me levasse a uma produção “mais limpa”, mais dissociada de uma maneira pessoal e particular de ver as coisas, e mais próxima do que seria uma visão mais comum, mais usual, portanto mais reconhecível para o todo da sociedade.

Penso que só podemos apreciar aquilo que compreendemos, e acredito que isto auxilia a arquitetura a “fazer sentido”... Para mim o ego “suja” a produção!

Enfim, no meu modo de entender, há um perigo em intentar uma produção marcante e reconhecível, não só porque na melhor das hipóteses ela só será reconhecível por poucos entendidos, mas também por corrermos o risco de uma produção que se revele estagnada, ou pior: banal, como aqueles pintores de palhacinhos que choram uma lágrima única...

Bacana seu blog, parabéns,

Oscar Müller

 
At September 11, 2006 6:29 PM, Anonymous Anonymous said...

Oi, meu nome é thayo digliane, achei muito interessante o seu blog.Sou estudante de arquiteura e achei sua pagina por acaso.Queria parabenisar você por expor suas idéias sobre arquiteura, já que a maioria dos profissionais e´ bastante introspectivo, para nós estudantes é sempre bom conhecer o modo que um arquiteto pensa. Obrigado.

 
At September 11, 2006 6:30 PM, Anonymous Anonymous said...

meu mail Thayo_ufo@hotmail.com

 
At March 29, 2007 10:57 PM, Blogger Unknown said...

This comment has been removed by the author.

 
At March 29, 2007 11:00 PM, Blogger Unknown said...

This comment has been removed by the author.

 
At March 29, 2007 11:04 PM, Blogger Unknown said...

Boa Noite ,Luciana Braga tenho que agradecer a suas visões sobre o ego na arquitetura ,tenho usado ultimamente estes pensamentos e saberes para minha formação e para minha motivação...neste inicio de ano comecei a minha fase de pesquisa do meu trabalho final de graduação; como você sabe não é fácil,estou passando por algumas dificuldades,faz parte...bom acompanho seu blog ,é bacana saber que existem pessoas como você!.
Fique na paz .
abraço
Ricardo Silveira/RJ
9 periodo de arquitetura-FISS
ricardonardo@hotmail.com

 
At December 27, 2009 9:35 PM, Anonymous Anonymous said...

Artigo belíssimo de Luciana Braga Triplett.
Parabéns Luciana Braga Triplett,Parabéns por seu texto. Comentários inteligentes nesse você se superou ele é muito bem colocado para a profissão de ARQUITETO.

 

Post a Comment

<< Home